[Terra Morta RPG] Capítulo 13 - Vinicius




Sua cabeça doía terrivelmente quando despertou.
            Caído ao lado da caminhonete, no meio fio, Vini se esforçou para se colocar novamente de pé. Agradeceu em silêncio quando olhou ao redor, não encontrando nenhum sinal daquelas coisas por perto.
            Toda sua roupa estava encharcada devido a chuva que, àquela altura, havia dado uma trégua. O vento, entretanto, se esgueirava através da proteção de suas roupas e lhe acariciava o corpo com dedos gelados, proporcionando arrepios constantes. Praguejou.
            Antes de partir, procurou por sua “lança”, encontrando-a a poucos metros dali.
            Só então seguiu adiante pela rua, pensando no que faria. Aquela era a primeira vez que deixava o colégio desde que tudo aquilo começara. Nem sequer imaginava em que situação se encontrava a cidade, e portanto se preparou para o pior. Pensou em voltar para casa, mas tinha a amarga sensação de que todos aqueles que conhecia estariam mortos, o que o fez desistir da idéia.
            Mas onde, então?
            Pegou-se pensando se Matt teria sobrevivido após todo aquele tempo. Provavelmente não. Então, lhe ocorreu de súbito: a delegacia. Ficava a não mais que quarenta minutos dali, até onde se lembrava e, por mais óbvio que aquele destino pudesse parecer – certamente não era o primeiro a ter pensado em ir para lá –, qualquer coisa era melhor do que vagar por aí a esmo, esperando pela morte.
            A caminhada para fora do bairro seguiu tranquila; a desolação era quase palpável: havia carros acidentados em todos os cantos, casas com as janelas quebradas e sangue nas paredes. Arrepiou-se ao imaginar como estaria o centro da cidade. Mas de inimigos, nem sinal.
            Não que estivesse reclamando, longe disso! Poderia lidar com um deles, sabia disso, mas preferia evitar confrontos desnecessários e, portanto, quanto menos daqueles monstros encontrasse, melhor.


            Mas sua sorte só durou pelos primeiros vinte minutos de caminhada.
            Viu o primeiro deles virar a esquina da rua em que se encontrava: uma garotinha de não mais que oito, talvez nove anos, forçando o peso do corpo sobre um dos pés que, quebrado, parecia estalar a cada passo. Logo atrás dela vinham outros dois, caminhando silenciosamente por entre as poças d’água deixadas pela chuva enquanto farejavam o ar e olhavam para todos os lados.
            Vini se abaixou atrás de um carro, e os espiou por detrás da vidraça. Estavam no meio da rua, agora, então começou a engatinhar pela calçada, usando dos automóveis abandonados como barreira para que não fosse descoberto.
            Quando virou a esquina pela qual os desgraçados haviam vindo, avistou uma lanchonete não muito longe dali. Estava faminto, o que foi confirmado ao ouvir o estômago roncar. Direcionou-se para lá sem pensar duas vezes mantendo, entretanto, a cautela em primeiro lugar. Atravessar a rua não foi um problema: não havia nenhum morto-vivo por ali senão os que ludibriara na rua anterior àquela.
            Bastou entrar na lanchonete para que fosse invadido por um terrível fedor de morte e podridão. Havia sangue no chão, no balcão e nas mesas, e muito lixo espalhado por todo o estabelecimento.
            Olhou mais uma vez para a rua, apenas para se certificar de não ter sido seguido, e então deu a volta no balcão, ligou a torneira em uma das pias e tomou um longe gole d’água. Constatou, para seu desgosto, que a água tinha um gosto forte de ferrugem. Melhor que nada, eu acho.
            Havia, ali, salgados e velhos sanduíches deixados em uma pequena estufa próxima ao caixa, mas a aparência dos mesmos não era boa o suficiente para que se arriscasse a comê-los. Optou por vasculhar a cozinha.
            Descobriu, ao entrar no cômodo, que o fedor que sentira a pouco vinha dali. Estirados no chão, os dois cadáveres se encontravam em um estado avançado de decomposição. Uma centenas de gordas moscas pretas os cobriam como uma mortalha negra, mas esvoaçaram para longe dos corpos, zumbindo ao redor de Vini quando ele se aproximou.
            Fazendo o possível para conter a ânsia de vômito que lhe subiu pela garganta, virou o rosto para que não precisasse voltar a olhar para aquilo e deixou a cozinha, retornando para a área de atendimento da lanchonete...
            ... e viu uma mulher parada à entrada do estabelecimento, de costas, as roupas empapadas de sangue. Vini prendeu a respiração, pego de surpresa, e antes que pudesse ser visto se jogou para trás do balcão, onde apanhou sua lança e permaneceu abaixado, quieto.
            Ouviu-a gemer do outro lado, e então seus passos arrastados enquanto se encaminhava para dentro da lanchonete. Vini começou a suar frio, tentando pensar em algo antes que fosse tarde demais. Se a desgraçada desse a volta no balcão, seria visto.
            Pensa... pensa... pensa!
            Levantou-se com cuidado, apenas o suficiente para que pudesse espiá-la. Suficiente para que seu sangue gelasse ao perceber que havia sido descoberto. Sem hesitar num só segundo, a mulher pulou em sua direção, debatendo-se em fúria enquanto tentava passar por cima do balcão. Quando o fez, Vini se jogou para o lado, e ela se estatelou contra a parede.
            Se corresse, a maldita atrairia mais deles durante sua fuga. Sabia disso, mas não tinha escolha. A não ser que a atacasse, e foi exatamente o que fez: a estocada com a lança acertou em cheio na coxa da filha da mãe. Atravessando tecido, couro e carne, a ponta da lança se projetou do outro lado, e a mulher urrou encolerizada, segurando a haste de ferro para que tentasse puxá-lo para mais perto.
            Só então ele correu, abandonando sua arma para que pudesse sair dali sem ser perseguido. Ouvia os gritos proferidos pela inimiga que, trespassada com a lança, não conseguiu segui-lo. Então mais e mais gritos se somaram aos dela, e ele aumentou o ritmo de seus passos para escapar dali antes que fosse visto pelos demais mortos-vivos atraídos pelo barulho.


            Correu até que o corpo pedisse por clemência. Não conhecia aquele bairro muito bem, e não sabia para onde ir. Então parou em um beco, recostando-se contra a parede para que pudesse retomar o fôlego.  Estava cansado, mal-humorado, desarmado e, para melhorar ainda mais as coisas: desprovido de qualquer mantimento.
            Após um tempo, ouviu o que pareciam ser passos vindos da rua pela qual acabara de vir. Apurou os ouvidos. Sim, eram passos. Com cuidado, se levantou tentando fazer o mínimo de barulho possível e aguardou.
            Não demorou para que a inimiga adentrasse sua linha de visão: tinha os cabelos compridos, levemente ondulados, de um loiro tão vivo que chegava a se destacar em meio a toda aquela destruição. Em uma das mãos trazia uma faca suja de sangue, e uma mochila pendia de suas costas. Não chegou a ver seu rosto, mas...
            Espera! Ela não é um deles!
            A idéia de encontrar outro sobrevivente o encheu de esperanças novamente. Talvez não estivesse tudo perdido, afinal. Tentando não fazer barulho, se esgueirou até a entrada do beco.
            – Não iria por aí, se fosse você – viu-se falando.
            Vini teria rido da expressão em seu rosto quando se virou para encará-lo se não estivesse tão chocado quanto a desconhecida. Ela o encarou por um logo momento, mas não demorou para que suas feições mudassem da surpresa à cautela.
            – Quem é você? – ela levantou a faca e manteve a guarda enquanto esperava por uma resposta.
            Vini ergueu as mãos, tentando acalmá-la. Não adiantou.
            – Ia te perguntar a mesma coisa.
            – Por que não devo ir para aquele lado?
            – Acabei de vir de lá – contou, arriscando um passo na direção da desconhecida, e ela recuou dois. – As coisas não estão muito boas. Olha, você é a primeira pessoa que encontro desde que tudo isso começou. Não sei pelo que passou, mas acredite em mim quando digo: não pretendo fazer nenhum mal a você.
            A faca continuou apontada para ele.
            – Hoje em dia, nunca se sabe.
            – Verdade – Vini forçou um sorriso para tentar quebrar o gelo. – Ao meu ponto de vista, vejo que temos duas opções – levantou dois dedos e, quando abaixou um deles, continuou a falar –, podemos ficar aqui conversando durante o resto da tarde e, no fim, cada um segue o seu caminho – abaixou o segundo dedo –, ou podemos confiar um no outro, pelo menos por ora, e sair daqui antes que um daqueles filhos da mãe apareça e nos mate.
            Ela hesitou, e um longo momento se passou até que enfim abaixasse a faca.
            – Tudo bem – disse. – Mas se tentar alguma coisa... – ela deixou a frase morrer, o olhar alternou entre Vini e a lâmina que tinha em mãos.  
            A convicção na voz da estranha o fez hesitar por um momento, mas tentou soar confiante quando disse:
            – Tem minha palavra – prometeu. – A propósito, meu nome é Vinicius. Pode me chamar de Vini, se quiser – obteve um leve aceno como resposta. – E você, como se chama?
            – Marissa – disse ela. – Meu nome é Marissa.





O texto acima não tem qualquer vínculo com a história original de Terra Morta e nem foi escrito por Tiago Toy. É uma adaptação do RPG mestrado no Orkut por Luan Matheus, escrita pelo próprio.

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