[Terra Morta RPG] Capítulo 11 - Jonas



Os gritos o impulsionaram a correr mais depressa.
            Ignorando os arranhões que Pacheco lhe afligia por apertá-lo junto do peito, Jonas dobrou a esquina e iniciou a descida que o levaria para o centro da cidade.
            Tentava não olhar para trás, mas se atrevia a supor que havia pelo menos quatro deles em seu encalço. Suas pernas pareciam gritar por misericórdia, implorando para que parasse e tirasse um tempo para descansar. Mas não podia. Se parasse seria alcançado. Seria pego. Seria morto.
            A chuva, que havia parado há algum tempo, havia deixado seu legado pelas ruas da cidade: diversas poças d’água se espalhando por todos os como espelhos refletindo o céu cinzento e melancólico. Havia corpos, também. Muitos deles. Alguns estirados no asfalto, outros, dentro de carros abandonados, ou simplesmente deixados no meio-fio para que apodrecessem.
            Ao alcançar o quarteirão seguinte, viu-se em uma rua bloqueada por carros acidentados, chocados uns contra os outros como pinos de boliche abandonados a esmo, apenas para que dificultasse seu percurso. Ou talvez pudessem... ajudá-lo!
            Entrou no labirinto de destruição sem hesitar, torcendo para que aquilo dificultasse o avanço de seus perseguidores tanto quanto dificultava o seu. Cogitou a idéia de se esconder em um dos veículos, mas logo desistiu ao concluir que, se descoberto, ficaria encurralado e à mercê dos inimigos.
            – Se não fossem tantos poderia enfrentá-los – ponderou, e Pacheco soltou um miado melancólico em resposta, cravando as garras no braço do dono. – Pára com isso! –Jonas protestou. – Juro: uma hora dessas ainda te deixo de tira-gosto para esses malditos.
            Parou por um breve momento, os olhos correndo entre os automóveis em busca da maneira mais rápida de se livrar daquele obstáculo. Uma rápida espiadela por sobre os ombros revelou que seu plano havia surtido efeito: os mortos estavam bem atrás, embora soubesse que o alcançariam rapidamente caso não saísse dali o mais depressa possível.
            Não viu dificuldade em se esgueirar em direção à calçada, onde se viu novamente livre pra voltar a correr, por menor que fosse seu ânimo em dar continuidade àquela maldita fuga.
            Mas então parou de chofre.
            Havia mais um deles na esquina seguinte. Um velho, os olhos arregalados, encarando-o. Então começou a correr para longe dali.
            – Espera! – Jonas gritou a concluir que não se tratava de outro morto-vivo. – Eu não sou um deles! – partiu no encalço do homem.
            Virou mais uma esquina, e por um momento pensou tê-lo perdido de vista, mas voltou a encontrá-lo vários metros á sua frente, entrando em um beco. Motivado, Jonas aumentou o ritmo de seus passos para que pudesse chegar lá antes que o sujeito voltasse a desaparecer.
            Meio a empolgação de encontrar um novo sobrevivente, esqueceu-se de seus antigos perseguidores, por um momento. Os rosnados às suas costas, entretanto, trataram de lembrar-lhe, e Jonas voltou a suar frio. Arriscou olhar para trás, apenas para descobrir que dois dos inimigos haviam escapado do labirinto, os braços esticados e as bocarras escancaradas enquanto corriam em sua direção.
            Gritou mais uma vez pelo homem, mas o mesmo nem ao menos pareceu ouvir: destrancou o cadeado de um portão em uma alta cerca de madeira, muito à frente, e espiou Jonas... e os monstros que vinham logo atrás dele. Sem dar qualquer sinal de que fosse esperá-lo, atravessou o portão rapidamente, esquecendo-se de voltar a fechá-lo.
            Jonas fez o mesmo logo que alcançou a passagem mas, diferente do outro, a fechou. Se virou, e viu diante de si um paredão verdejante erguendo-se a cerca de três metros do solo. A vegetação naquele terreno havia crescido de tal forma a ocultar o que quer que se escondesse do outro lado.
            Soltou Pacheco, e num piscar de olhos o gato havia desaparecido entre dois arbustos.
            Praguejando, Jonas o seguiu pelo matagal abrindo caminho entre as folhagens, temeroso quanto ao que o esperava do lado de lá. As folhas se enroscavam em suas roupas e faziam a pele pinicar. Aquilo, concluiu, o irritava, mas em momento algum pensou em parar.
            Então ouviu as pancadas na cerca de madeira, e o som do portão se chocando com violência contra a mesma um segundo depois. Apertou o passo, e após um momento que para ele pareceu interminável, viu-se livre de toda aquela vegetação.
            Logo à sua frente, então, uma casa.
            Uma larga varanda levava até a entrada da residência. Havia ali uma velha cadeira de balanço e, sobre ela, um lenço sujo e desgastado. Ergueu os olhos para que pudesse estudar a casa antes de tomar qualquer decisão, e por um momento pôde jurar ver uma sombra se movimentar do lado de dentro da janela do segundo andar.
            Então sentiu a pancada contra a nuca, e o corpo se chocando contra o chão. Ouviu Pacheco miar em algum lugar ali perto, e gritos enfurecidos vindos do matagal.
            Tudo escureceu em seguida.


            Quando abriu os olhos, viu um teto sobre sua cabeça.
            Havia uma vela ardendo, pela metade, em um criado-mudo ao lado da cama na qual se encontrava. O cômodo era pequeno, e não havia qualquer outro móvel senão um grande espelho fixado em uma das paredes.
            Tentou se levantar, apenas para descobrir que estava amarrado.
            Sua cabeça latejou, e Jonas teve de se esforçar para não gritar. Recostou-se novamente no travesseiro, se perguntando o que diabos estava acontecendo. A resposta veio antes do que pudesse imaginar: quando a porta se abriu, viu uma menina o encarar, os olhos assustados por encontrá-lo acordado.
            Carregava Pacheco nos braços, alisando seus pelos com uma das mãos enquanto, com a outra, segurava-o com força para que não fugisse. Antes que Jonas tivesse a chance de dizer qualquer coisa, a menina voltou a fechar a porta.
            Os minutos se estenderam lenta e tortuosamente até que a porta voltasse a se abrir.
            Jonas se esforçou para inclinar a cabeça, e seu olhar se cruzou com o de um velho. Seu rosto lhe pareceu estranhamente familiar; magro e pálido, com uma barba espessa cobrindo o maxilar e olheiras escuras a lhe sublinhar os olhos.
            Tentou forçar a memória, mas não conseguiu se lembrar com exatidão dos fatos que antecederam seu despertar naquele cômodo.
            – Que lugar é esse? – perguntou. – Quem é você, e por que é que eu tô amarrado?
            Mas não obteve resposta. Em silêncio, o homem pegou uma banqueta em um dos cantos do quarto, a qual Jonas não havia reparado até então, e a colocou ao lado da cama.
            – Não se lembra, huh? –disse o velho, enfim. Jonas se limitou a ficar quieto, esperando que o outro lhe explicasse o que estava acontecendo. – Você me seguiu até aqui, até minha casa, e trouxe consigo aquelas pessoas doentes. Pediu para isso, rapaz.
            – Do que é que você ta falando? Eu não... – mas então se lembrou; a fuga, o desconhecido nas ruas, o matagal e, por fim, a casa. – Você me atacou! Me atingiu na cabeça e me prendeu aqui!
            – Foi preciso – o outro confirmou com frieza. – Não o conheço, não conheço suas intenções. As ultimas pessoas que encontrei não eram muito melhores que aqueles canibais lá fora.
            – É, estou vendo – Jonas não conseguiu segurar a alfinetada.
            O velho semicerrou os olhos e, quando voltou a falar, havia rancor em sua voz.
            – Tentaram roubar o pouco que tenho. Tentaram me matar para que pudessem ficar com este abrigo – fechou os olhos e cerrou os punhos. Por fim, sussurrou: – Tentaram violentar minha neta.
            Jonas o encarou, incrédulo, buscando palavras para responder àquilo. Quando não as encontrou, o velho continuou.
            – Os fortes devoram os fracos – disse com um sorriso, percebeu o quão literal aquilo havia soado. – É a lei da selva, não é? Eu me mantenho forte, sim. Não por mim, mas por ela: minha neta.
            Fez uma pausa para que pudesse olhar Jonas nos olhos.
            – Por isso os matei – sorriu. – E o matarei também, se necessário.





O texto acima não tem qualquer vínculo com a história original de Terra Morta e nem foi escrito por Tiago Toy. É uma adaptação do RPG mestrado no Orkut por Luan Matheus, escrita pelo próprio.

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