[Terra Morta RPG] Capítulo 3 - Jonas



Trancara-se em seu apartamento quanto tudo aquilo começou. Seu gato, Pacheco, era sua única companhia. Os mantimentos que ainda lhe restavam já estavam no fim, e logo teria que sair dali. Era inevitável.


Havia amanhecido há cerca de uma hora.
            Tinha a intenção de deixar o apartamento naquele dia, mas considerando os acontecimentos da noite anterior, perguntava-se se seria seguro arriscar; não conseguira pregar os olhos desde o alvoroço, do lado de fora, durante a madrugada.
            – O que acha? – perguntou a Pacheco que, sobre a mesa, o encarou desinteressado.
            Pensativo, Jonas se sentou em uma das cadeiras. O gato se aproximou, ronronando, mas o dono não lhe deu atenção. Levantou-se e foi até a porta, tentando ouvir o que se passava lá fora.
            Silêncio.
            Não ouvindo qualquer sinal daquelas coisas, arriscou uma espiadela. Girou a maçaneta e abriu uma pequena fresta: o corredor parecia vazio. Poderia ser um bom sinal, afinal. Voltou a fechar a porta, e então se virou para Pacheco:
            – É agora ou nunca, companheiro – disse com um sorriso.
            Apanhou a mochila sobre um dos sofás, e apressou-se em enchê-la com o pouco que ainda tinha; metade de um pão mofado, sua ultima barra de cereais e uma garrafa d’água. Prendeu sua faca de cozinha ao sinto, a qual adotara como arma, e só quando encontrou a coleira de seu gato concluiu estar pronto para ir embora.

            Tudo estava emerso no mais completo silêncio, lá fora.
            Seguiu a passos lentos pelo corredor, hesitando a cada porta aberta que encontrava pelo caminho. Uma, em especial, lhe chamou a atenção: através da mesma, avistou o que restara de uma vela, sobre uma mesa no centro do apartamento, pela qual se esvaia um fio branco de fumaça, quase imperceptível.
            Tudo se encaixava: o alvoroço na noite anterior, a vela...
            – Havia alguém aqui, Pacheco – concluiu em voz baixa, mas para si mesmo do que para o gato. Esteve perto de outro sobrevivente durante todo aquele tempo sem nem se dar conta. O azarado tivera a mesma ideia que ele, porém não a mesma sorte. Havia atraído todos os mortos andantes durante sua fuga; aquilo explicava a quietude e o fato de o andar estar completamente vazio. – Azar o dele, deve estar morto a essa altura.
            Com um suspiro, Jonas continuou seu caminho, agora mais confiante.
            Não demorou em chegar às escadas. Desceu com cuidado, os degraus tingiam-se com o sangue espalhado por todo canto. Havia, também, uma boa quantidade de lixo. Desde pedaços de madeira e sacos plásticos a uma camiseta ensanguentada, estirada no fim do ultimo lance de degraus.
            O segundo andar mostrou-se tão tranquilo quanto o anterior. Parou, dessa vez para espiar através de uma vidraça quebrada. As nuvens lá fora anunciavam a chuva eminente. Olhou para baixo, e vislumbrou o que restara da piscina do hotel, onde alguns corpos boiavam em meio à agua tingida de vermelho.
            Então a viu. A garotinha, caminhando a esmo em meio aos destroços de mesas e cadeiras. Poderia julgá-la uma menina normal, viva e saudável, se não pelo talho aberto ao lado do pescoço, denunciando sua sina. Os malditos não tinham misericórdia alguma, nem mesmo para com uma simples criança. Praguejou em silêncio.
            Chegou à recepção do hotel sem qualquer tipo de complicação e, quando deu por si, já estava do lado de fora do prédio. Sem qualquer sinal de perigo em vista, puxou Pacheco pela coleira e seguiu em frente, mas o animal se recusou a seguir pela mesma direção que o dono, esforçando-se para puxar a coleira e leva-lo para o outro lado.
            – Gato folgado – Jonas disparou –, vou confiar em você – e cedeu aos puxões.
            Enquanto caminhavam, ocupou-se em observar a paisagem ao seu redor. Havia carros acidentados em todas as ruas, e alguns corpos estirados no meio-fio, em meio a entulho e sangue. Sangue. O maldito vermelho parecia estar presente em todo lugar, reinando através de toda aquela desgraça. Não havia se passado sequer duas semanas desde os primeiros ataques, surpreendia-se com a rapidez com que aquilo havia se espalhado, obrigando toda a cidade a sucumbir em morte e destruição.
           
            Continuou caminhando por um bom tempo, sem que houvesse qualquer sinal dos canibais nas redondezas. O que era curioso, visto que, a julgar pelo estado da vizinhança, o lugar deveria estar infestado daquelas coisas. Pensou em vasculhar alguma residência em busca de alimento ou qualquer coisa que pudesse lhe ser útil, mas optou por não abusar da sorte que, até o devido momento, não o deixara na mão.
            Então ouviu a primeira trovoada, anunciando a chuva prestes a despencar.
            Pacheco se inquietou, e saltou para que o dono o carregasse no colo, os olhos vidrados nas nuvens escuras que pairavam logo acima de onde estavam. Sem se queixar, Jonas o acomodou entre os braços e continuou andando. Já estava acostumado com aquele tipo de atitude vinda do animal.
            – É melhor encontrarmos um lugar pra nos escondermos da chuva – concluiu. O gato o encarou, para então voltar a olhar para o céu.
            E as primeiras gotas d’água chegaram sem avisar.
            – Droga! – Jonas praguejou.
            A chuva se intensificou enquanto o rapaz corria pela rua, olhando ao redor em busca de qualquer lugar que aparentasse ser seguro o suficiente para que pudesse se esconder até que a chuva passasse. Não demorou para que avistasse uma garagem, não muito longe de onde estava. Aumentou o ritmo da corrida, e só quando se viu livre da chuva é que parou para retomar o fôlego.
            Pacheco se desvencilhou dos braços do dono. Os pelos molhados e escorridos pela chuva lhe concediam uma aparência no mínimo cômica, e Jonas não conseguiu evitar um sorriso. O gato choramingou, olhando ao redor, e assim que distinguiu a porta aberta no fundo da garagem, correu para lá.
            – Ei, onde pensa que vai? – Jonas o seguiu.
Parou assim que olhou do lado de dentro da casa. Como era de se esperar, o lugar estava uma bagunça; móveis jogados no chão, lixo e bastante sangue. Mas o que o incomodava não era a visão, e sim o cheiro. Um odor forte de podridão e morte, que o fez hesitar antes de dar o primeiro passo em direção ao interior da residência.
Seguiu lentamente para o próximo cômodo, de onde parecia vir o fedor insuportável, evitando chamar por Pacheco para que não corresse o risco de atrair companhias indesejadas. Assim que entrou no que restava da cozinha, tudo fez sentido: havia dois corpos ali. Mutilados. As tripas se embrenhavam no piso decorado em vermelho, rodeadas por moscas gordas que se juntavam aos montes por todo o cômodo. Por um breve momento se esqueceu de Pacheco. Até ouvir o rosnado às suas costas.
Quando se virou, arrependeu-se profundamente de ter entrado naquele lugar maldito.



O texto acima não tem qualquer vínculo com a história original de Terra Morta e nem foi escrito por Tiago Toy. É uma adaptação do RPG mestrado no Orkut por Luan Matheus, escrita pelo próprio.

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